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Snuff, Vítimas do Prazer

Nos anos 1970 todos os limites da liberdade foram testados. Não à toa, ali por 1972, 73, o sexo explícito começou a se institucionalizar nos Eua e na Europa, e a década legou à história filmes clássicos do gênero. No rastro do megasucesso de “Deep Throat" e “Behind The Green Door", diversos nomes transitaram rapidamente do soft para o hardcore e abusaram de criatividade insana.

Parte deste fenômeno infelizmente acabou mitigado pela revolução do homevideo, quando as produções deixaram de ser exibidas no cinema e eram editadas às toneladas direto para o videocassete. Assim, em retrospectiva, a impressão que ficou é a de que os anos 80 representaram o máximo em pornografia no mundo.

Mas como esquecermos a obra-prima sadomasoquista “The Punishment of Anne”, de 1975? E quase tudo o que Radley Metzger aka Henry Paris dirigiu? Como esquecer Brigitte Lahaie? Por mais que tenha ganho em quantidade, o “pornô” em vhs passa a léguas de distância do universo dionisíaco das chamadas “salas especiais”.
Nesse contexto, de espaços escolhidos e escondidos nas grandes cidades, foi que nasceu a lenda urbana dos snuff movies. Seriam filmagens clandestinas, exibidas para um público seleto, onde após o ato sexual os protagonistas eram literalmente assassinados.
Muitas produções americanas e européias da época fazem referência aos snuffs. Desde “Emanuelle in America” (1976), passando pelo doentio “Last House on Dead End Street” (1977) até o hollywoodiano “Hardcore Life” (1979), os snuffs estavam na boca do povo, como a provar que a bestialidade humana é uma janela aberta para o infinito.

“Snuff, Vítimas do Prazer” (1977), de Cláudio Cunha, poderia ser apenas tentativa oportunista de pegar carona no assunto, não fosse o sarcasmo que perpassa o roteiro, escrito por Cunha e Carlos Reichenbach.

Dois gringos, Michael Tracy (Hugo Bidet) e Bob Channing (Fernando Reski), desejam realizar um snuff no Brasil. Para isso contratam um técnico falido, Edson Lima (Carlos Vereza), auxiliado por Juarez (Canarinho), um grupo de atrizes na corda bamba -- Lia de Souza (Rossana Ghessa), Tati Ibanez (Nadir Fernandes), Glória (Lúcia Alvim) --, além de um ator louco, Sérgio Bandeira (Roberto Miranda). Carregam a equipe para uma fazenda no interior e iniciam as filmagens.

“Vítimas do Prazer” não é sobre a nobre arte de se fazer obras homicidas, nem documentário ao tema, mas simplesmente um olhar debochado à miséria humana. Espectadores de estômago fraco, criados pela avó, poderão deduzir com prazer que o mundo mudou bastante, e dificilmente hoje alguém teria coragem de fazer tamanha crítica ao ofício que exerce. Pois a miséria humana retratada ali, nada mais é do que a deles mesmos, cineastas brasileiros e paulistas, e a produtora falida poderia ser qualquer uma, à mercê de propostas esdrúxulas e pagamentos duvidosos.

Esse bater de frente consigo mesmo, essa vontade de perder os amigos mas nunca a piada, é que salva o filme do fracasso. Tedioso, de estrutura mambembe, “Snuff” nem parece dirigido por Cláudio Cunha, que sempre teve imenso cuidado formal em suas produções. Salva-se o elenco afiado, com destaque para Hugo Bidet, falecido em abril de 77, dois meses antes do lançamento.

Chegando aos cinemas em junho, recebeu boas críticas, principalmente em São Paulo. Porém o consenso da chacota etnocêntrica, repetido desde a estréia, sinaliza uma provável overdose de didatismo. O slogan "Tudo Foi Filmado na América Latina, onde a vida humana é muito barata", confirma ainda mais essa impressão.

Aliás, Cláudio Cunha e Carlos Reichenbach teriam escrito o roteiro em uma sala de escritório na Boca, muito parecida com a que criaram para o desafortunado Édson Lima. E, segundo entrevista que Cunha concedeu à Zingu!, durante as filmagens Hugo Bidet já apresentava ímpetos suicidas, que concretizaria logo depois. Em um filme sobre o desespero moral e a precariedade existencial de cineastas e atores no Brasil, ao que parece eles estavam encenando também um psicodrama histérico e farsesco, de deixar o médico Jacob Levy Moreno intrigado.

Como última curiosidade, vinte e cinco anos depois -- em 2002 -- o escritor e cineasta Marcos Fábio Katudjian voltaria a tratar a idéia de snuffs brasileiros no ótimo romance “Snuff Movie: Depois do Fim do Mundo”. Recomendo o livro tanto quanto o filme. Ambos investem na idéia de que em um país pobre vale tudo, até se usar o aparato do dinheiro para a satisfação cinéfila de uma elite de sádicos.
Por: estranhoencontro(2010)
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