Jurupari cuja etimologia provém do tupi-guarani yupa’ri quer dizer diabo, entre os indígenas (HOUAISS, 2009, p.1140), um ser que se diverte angustiando os índios no momento em que estão mais vulnerais, ou seja, no sono. Nos primórdios da colonização brasileira, índios, de distintas tribos, que viviam na costa leste do Brasil, para fugirem da condição de escravos a que eram submetidos, adentraram o interior, as regiões centro-oeste e norte e lá se refugiaram, principalmente, na floresta Amazônica, onde há tribos indígenas até os dias atuais (BELLINI, 2015, p. 125).
De acordo com Cascudo (2017): Jurupari nunca figurou realmente no folclore brasileiro. É uma presença literária, valendo um Demônio ou um pesadelo. Os indígenas ainda mantêm seu culto na extenção do Rio Negro, por onde parece haver descido das tribos aruacos do Orenoco, via Cassiquiare. Diz Cascudo que nem Tupã era deus ameraba e nem Jurupari ou Anhangá foram demônios brasileiros. Jurupari, reformador de costumes, égide de religião nova, criador de cultura, está distante de qualquer aproximação infernal. O autor diz que Jurupari traz uma espécie de legislador filósofo, como Buda, Confúcio, etc., algo rudimentar e noções de vida prática. E o que o faz pensar isso são as seguintes leis atribuídas pelas quais governam-se os nossos índios, tanto do Uaupés, como do Içana e do Rio Negro:
1 - A mulher se conservar virgem até a puberdade;
2 - Nunca se prostituir e ser fiel ao marido;
3 - Após o parto, deverá o marido obster-se de todo trabalho e comida, pelo espaço de uma lua, a fim de que a força dessa lua passe para a criança;
4 - Mulheres estéreis serão abandonadas;
entre outros que estão listados no livro...
A seguir um trecho da pesquisa de Vasconcelos (2015), "Uma leitura psicanalítica da lenda do Jurupari"
Tão polêmico quanto Totem e Tabu, temos A Lenda de Jurupari, “um dos textos mais importantes da literatura indígena das Américas” (MEDEIROS, 2002, p. 263).
Na passagem do mito em questão, temos a proibição da ingestão de uma fruta por moças que ainda não atingiram a puberdade, pois a fruta desperta apetites latentes. Temos condições de inferir que se trata, em essência, da proibição do incesto e que Seuci infringe tal condição. Por que? Primeiro, não podemos esquecer que Jurupari é o “enviado do Sol”. Os poderes extraordinários do pajé e a forma como ele engravida todas as índias, somado ao fato do pajé ser aquele que estabelece comunicação com os deuses e de ser uma espécie de representante dos mesmos, podemos inferir que Seuci é filha do Sol. O próprio nome Seuci nos aproxima dessa possibilidade, já que Seuci é o nome de uma constelação de estrelas e “Seuci da Terra” era como a linda índia era chamada; segundo, o mito conta que Seuci engravida do suco de uma fruta proibida. Isso é muito semelhante à forma como Zeus, na mitologia grega, transmutava-se em chuva, animais etc. para fecundar mulheres mortais (e virgens). Logo, é possível pensar na possibilidade de Jurupari ter sido fruto de uma relação incestuosa. Lembremos que, em algumas traduções, Jurupari significa também “boca fechada”. O simbolismo na descrição da relação entre Jurupari e Seuci são indícios desse “silêncio”, ou seja, da proibição do incesto. Com o nascimento do “enviado do Sol”, temos assim o início da cultura e das primeiras leis.
Como não será possível agora dar continuidade a uma análise detalhada da lenda completa, resumiremos o que acontece depois na tribo do tenuriana. Jurupari propôs-se a instituir uma sociedade secreta para acabar com o poder das mulheres, revertendo ao homem as qualidades e atributos do mando, em sintonia com as leis do Sol. Promoveu diversas reuniões de doutrinação, em que só homem podiam participar e ensinou, principalmente, aquilo que as mulheres não conseguiam aprender, ou seja, serem discretos, a fecharem as “bocas”. Instituiu também leis de matrimônio e obrigou as mulheres a manterem a virgindade até a primeira menstruação e também criou e determinou relações de trabalho. Para finalizar, relembramos a missão primeira de Jurupari e que a lenda termina sem que ele a tenha cumprido: encontrar a mulher perfeita para o Sol. O final da estória é muito significativo, pois Jurupari só diz que irá para o céu após cumprir essa missão, uma missão impossível. Mas é dessa impossibilidade que o mito trata o tempo todo: incestos, poder de um só sexo, mulher perfeita... mas é a impossibilidade que faz Jurupari legislar sobre a Terra e possibilitar o surgimento da cultura e das primeiras leis. Portanto, por esses motivos, podemos aproximar o mito freudiano ao mito de Jurupari, na medida em que ambos podem ser definidos como “[...] um retrato bem conservado de um primitivo estágio de nosso próprio desenvolvimento” (FREUD, 1913, p. 21 apud VASCONCELOS, 2015).
“O passado só existe na medida em que é historiado pelo presente” (VASCONCELOS, 2015).
Referências:
BELLINI, Nerynei Meira Carneiro. Realismo Maravilhoso No Brasil Insólito De Monteiro Lobato. Claraboia, v. 1, n. 2, p. 117-129, 2015.
CASCUDO, Luís da Câmara. Folclore do Brasil. 3 Ed. Global Editora e Distribuidora Ltda, 2017. 232 p.
VASCONCELOS, Bruno Rudar Teixeira. Folclore Amazônico: uma leitura psicanalítica das lendas do Jurupari e da Ceuci. 2015.
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